O biocontrole genético pode ajudar a resolver outros problemas globais?
Devido ao seu relativo isolamento ao continente, ilhas frequentemente contêm uma elevada proporção de plantas e animais nativos que contribuem para a biodiversidade mundial. As espécies invasoras introduzidas, como ratos e gatos selvagens, representam uma séria ameaça para ecossistemas insulares frágeis e para a vida selvagem, especialmente aves. Nos últimos 500 anos, calcula-se que as espécies exóticas invasoras tenham contribuído para quase metade das extinções de aves a nível global.
Estão a ser estudados métodos de biocontrolo genético para certas pragas de vertebrados que representam desafios ecológicos e económicos particularmente difíceis para as ilhas. Por exemplo, a remoção de roedores invasores das ilhas provou ser uma intervenção de conservação de grande impacto. No entanto, os métodos que são atualmente mais eficazes, limitam-se, em grande parte, à utilização de rodenticidas, que possuem outras restrições éticas, ecológicas, sociais e financeiras. Como alternativa mais humana e sustentável, foram propostos métodos de biocontrolo genético que possivelmente podem suprimir a população de roedores da ilha através da redução de sua capacidade reprodutiva. A pesquisa sobre o biocontrolo genético de roedores e de outros vertebrados que impactam negativamente em espécies nativas das ilhas está a decorrer, mas ainda se encontra numa fase inicial.
Os agentes patogénicos introduzidos representam também um risco bem conhecido para a biodiversidade das ilhas. A malária aviária é uma doença introduzida que ameaça a avifauna nativa do Havaí. Dado que este agente patogénico é transmitido por mosquitos, poderá ser recetivo a métodos de biocontrolo genético semelhantes aos que estão a ser desenvolvidos para doenças humanas transmitidas por vetores.
As espécies exóticas invasoras são animais, plantas ou outros organismos não nativos, introduzidos acidentalmente ou intencionalmente em zonas fora da sua área de distribuição natural, estabelecendo-se assim nessas novas zonas e causando danos à biodiversidade nativa e custos socioeconómicos substanciais. Estima-se que o impacto direto das espécies exóticas invasoras custe anualmente milhares de milhões de dólares à economia mundial.
As introduções acidentais podem resultar do comércio e transporte internacionais. Considera-se que o melhor método para controlar os danos causados pelas espécies exóticas invasoras é a prevenção através da deteção precoce e da resposta rápida para erradicar a nova espécie antes que esta se possa estabelecer localmente. Se tal não for possível, as opções de controlo e de gestão incluem o controlo biológico recorrendo a inimigos naturais das espécies invasoras, o controlo químico utilizando pesticidas e substâncias tóxicas, bem como vários tipos de controlo mecânico ou físico para tornar o ambiente menos favorável às novas espécies. Os esforços educativos para aumentar a sensibilização e a utilização de práticas destinadas a impedir a propagação das espécies invasoras também podem ser úteis. No entanto, a União Internacional para a Conservação da Natureza adverte que a taxa de novas introduções está a aumentar e que seus impactos na segurança alimentar, saúde e biodiversidade podem ser agravados ainda mais pelas alterações climáticas.
Os pesticidas químicos são frequentemente utilizados para o controlo de pragas na agricultura, embora o grau de dependência varie de país para país. Estes incluem inseticidas para as pragas de insetos, herbicidas para as ervas daninhas e fungicidas para os agentes patogénicos das plantas. Existem vários tipos de boas práticas agrícolas, como a rotação de culturas e os programas de gestão integrada de pragas, que oferecem abordagens destinadas a reduzir a dependência dos pesticidas. A produção biológica adota uma série de conceitos semelhantes, mas dispensa por completo a utilização de pesticidas sintéticos. Os métodos clássicos de biocontrolo, que implicam a disseminação de inimigos naturais, têm-se revelado promissores na redução dos danos causados por insetos invasores. A técnica dos insetos estéreis, que consiste na disseminação de pragas de insetos esterilizados por meio de radiação para reduzir o acasalamento produtivo e, assim, diminuir a dimensão da população de pragas, tem sido utilizada contra várias pragas agrícolas. Possivelmente esta técnica é a mais utilizada no caso da mosca Cochliomyia hominivorax e da mosca da fruta do Mediterrâneo. Além disso, o interesse por culturas agrícolas resultantes de processo de bioengenharia tem vindo a aumentar, como as que contêm um gene da bactéria do solo Bacillus thuringiensis que as torna resistentes aos insetos.
Não obstante, a Organização para a Alimentação e a Agricultura das Nações Unidas estima que entre 20 e 40 por cento da produção agrícola mundial é atingida por pragas todos os anos. A exposição extensiva a pesticidas sintéticos e orgânicos tem suscitado preocupações quanto aos seus efeitos adversos no meio-ambiente e na saúde humana, além de fomentar o aumento de resistência aos mesmos, exigindo a maior utilização e desenvolvimento contínuo de novas alternativas. A insegurança alimentar mundial é um desafio permanente, a qual as alterações climáticas tendem apenas a agravar.
As ferramentas de biocontrolo genético estão a ser consideradas para vários problemas globais que, apesar dos esforços, se revelaram difíceis de resolver por outros meios disponíveis. Através da modificação ou da redução do número de vetores artrópodes, estas ferramentas poderiam contribuir para a prevenção da transmissão de patologias infeciosas que causam doenças e provocam a morte de milhões de pessoas em todo o mundo. Em relação à agricultura, tecnologias semelhantes poderiam ajudar a reduzir a perda de colheitas causada por pragas de insetos, cujo custo anual global foi recentemente estimado em mais de 70 mil milhões de dólares. No que diz respeito à conservação, foram propostas como método de controlo de espécies invasoras que, de igual modo, causam enormes perdas económicas e ameaçam a biodiversidade.
O biocontrolo genético pode ser utilizado em conjunto com outros métodos, oferecendo uma nova oportunidade para controlar estes desafios globais.
O biocontrolo genético conhecido como a Técnica do Inseto Estéril, que se baseia na irradiação, tem sido utilizado de forma segura por décadas para controlar pragas agrícolas. Por exemplo, na América Central, as moscas varejeiras estéreis são libertadas para evitar a migração destas importantes pragas pecuárias em direção norte, da América do Sul para o México, América Central e sul dos EUA. No caso das moscas do mediterrâneo, os machos esterilizados por radiação são ou têm sido utilizados para controlar esta importante praga dos citrinos e de outros frutos em países como a Argentina, México, Portugal, República Dominicana, Guatemala, Espanha, África do Sul e EUA.
A engenharia genética também está a ser aplicada ao controlo de pragas agrícolas, como a mosca do mediterrâneo e a lagarta do cartucho. A tecnologia do FriendlyTM da Oxitec foi aprovada pela agência brasileira de biossegurança para o controlo da lagarta do cartucho.